quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Capítulo IX

por danilo moldador

CAPÍTULO IX: DOS RECLUSOS

Cansado de atirar em adevogados, deixou sua arma ali mesmo - estarei para sempre sozinho nesta porra - pensou já tirando a camisa que o esporte deixara suada. Já se passaram vários meses desde que tenta aliviar sua angústia, e a cada tiro, a cada minuto que seus cotovelos recebem o peso de toda sua carga, uma culpa que não é sua, tem a certeza de que na verdade a está aproximando de forma mais perigosa. As escaras estão dando lugar a calos - que é o que acontece quando não resolvemos os problemas, nos acostumamos a eles - os dedos já aprenderam a ficar na mesma posição, a reagir instantaneamente sob impulsos de uma mente calculista que passa horas a fio apenas esperando pelo momento certo. Ele sabe que isso não é bom, não consegue nem dizer se gosta ou não - provavelmente adoraria matar uns destes se fosse por um tempo - mas o vício parece lhe atropelar o pensamento. Acabaram-se os cigarros - fumei cada mísero centímetro de tabaco, catei as cinzas e os refiz com papel sulfite e fumei de novo, e as cinzas destes também - não precisa dizer que todas as poucas garrafas restantes em sua casa já se aniquilaram há tempos. Há pouco a que se agarrar.
Volta à janela, mais um lá, a mão esticada já sabia onde encontrar a arma, mais um tiro, menos um adevogado - se pelo menos houvesse algum desafio em matar estes merdinhas - a arma retorna ao seu lugar. Ele pensa por um segundo, a mão direita volta à espingarda, de uma mão tão familiar ele a passa à outra, a esquerda a recebe - caramba, nunca reparei como ela era pesada - e por fim a apoia no lado contrário do corpo. Espera, pode ficar assim por horas, não há muito mais o que fazer, ele achava que gostava de ficar sozinho, que os outros o atrapalhavam, mas para todo prazeroso descalçar de botas, antecede-se o algúrio do calçar. Um adevogado - finalmente - a mão direita perde-se no ar tateando em falso - claro, mudei de lado - a esquerda tromba na arma e a ergue desajeitadamente. O cotovelo, surpreso com a carga inusual lhe dói de súbito, o dedo que tão facilmente acharia o gatilho se perde tateando os frios metais, acha o encontro com a madeira, o pino, o anel e por fim se encontra. Quase fura o olho quando vai fazer a mira. Sustém a mira, espera... aguarda como sempre, espera - olhe para cá, vamos, vamos, quero que você me veja - resmunga para si, desaprendeu a falar alto, pensa falando, atira.
Na mosca. Sua longa intimidade com o serviço o pregara uma peça.

Um comentário:

Não se acanhe, meu rei!
não há um membro do corpo produtivo que não goste de um comentariozinho nos seus posts...
;)