quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Capítulo XV

por danilo do bocomoco

CAPÍTULO XV: DEFINHAR

Carina colocou a mão por baixo da barriga como se fosse segurá-la, tentando evitar a sensação de que ela se desprendesse de seu ventre e o tão estimado bebê lhe rompesse as entranhas e terminasse morto no chão. Qualquer brisa naquele momento teria trazido de volta o apreço por sua vida, mas o vento da desgraça não soprou, e o mesmo calor que a fazia inchada e indisposta a obrigava a caminhar num deserto retirante, cozinhando-a lentamente qual lâmpada de forno. O ar podia ser cortado à faca, tão sólido quanto sua desolação, e o suor que já não mais escorria por seu corpo, empoçado em areia saturada, servia apenas de molho para seu desânimo. Não havia viva criatura, ainda assim era como se a esperassem, cada pequeno farfarelar de folhas craquejando no cimento da calçada, cada imperceptível movimento no ar, cada sombra, cada cheiro, contivessem o bafo daquilo que ela mais temia. A pista elevada se estendia a perder de vista, curva aqui, curva ali, deformando-se pelas ondas de calor, o chão sempre preto, as muretas sempre brancas, os postes alinhados como em aulas de perspectiva. Entretanto, era a sua perspectiva que a fustigava, a bolsa lhe estourou já faziam alguns minutos, vários. Para frente não era possível sequer imaginar até onde, para trás quase um dia de caminhada. A borracha de seus sapatos se desfazia em fiozinhos transparentes de teia de aranha que a cada pisada se prendiam numa mancha acinzentada em forma de pegada no asfalto quente, e continuavam a puxar seu pé que já se fundira ao solado. As contrações começaram, ela pára e se contorce curvando o corpo contra as pernas, até pressionar a barriga contra as coxas e emitir um grito agudo. Não consegue nem gritar. Cai para o lado, o asfalto semi-derretido cola em seu braço queimando suas mãos e suas pernas expostas. O grito sai. Ecoa por entre os prédios, rebate-se entre as paredes em pleno desespero de escapar, definha e morre.
Anos mais tarde Walter Hego encontraria o que se chamaria de a 'mãe de pompéia', uma figura de negro sofrimento gravada em negativo no asfalto. Símbolo do sofrimento na cidade do Texugo, teria a espressividade comparada à Vitória de Samotrácia.

2 comentários:

  1. uma grávia vagando solitária tendo um parto repentino no minhocão deserto sob um sol escaldante. cena absolutamente fantástica.

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