quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Capítulo VII

por danilo da carne seca

CAPÍTULO VII: PROJEÇÕES

E então choveu por 6 meses. Suas mão encostaram no peitoril azulejado da janela, sensação parecida com encostar as mãos mucherentas de horas e horas no mar numa pedra áspera e não mais fria do que você mesmo. Tentou acender um cigarro mas seus dedos grudaram no papel embolorado levantando uma pequena tira que se desenrolou em espiral derrubando todo o fino tabaco entre a parede e o chão, e que permaneceria ali estampado até que Walter Hego, realizando a desavisada limpeza extermínica post-mortem na cidade, entrasse pela porta dos fundos e despejasse os infindáveis litros de água sanitária que trazia consigo numa enorme caravana da liberdade.
A chuva era o mais encantador silêncio que já ouvira, o silêncio do ruído único, excludente, tão dominador quanto fora a sua vontade ali, à janela, de por a cabeça abatida de meses sem sair da própria casa embaixo desta chuva que viera para limpar a desgraça dos adevogados da cidade, mas que, percebeu-se tão logo as esperanças floresceram, que não só os adevogados não morreriam por causa da chuva, como passaram a se sentir mais vívidos e alertas, tal qual alguém que, saindo de casa nas manhã dos dias pré-apocalípticos, deparava-se com a chuva e tinha que correr e pular poças, esquivando-se enérgicamente dos obstáculos até chegar ao seu destino, mesmo que seu lema fosse não fazer exercícios antes do almoço. Os adevogados ficaram ouriçados qual podles velhos, resmungando blasfêmias pelas ruas, chutando latas de lixo e até mesmo tentando recuperar suas antigas ocupações.
Era comum vê-los andando na chuva com ternos armani esfrangalhados, trazendo seus celulares erguidos às orelhas, a pasta calmamente balançando com o andar na mão oposta, os sapatos encharcados de cores diferentes apertando mais um pé que o outro. Com quem falavam ou que nível de consciência tinham, isso somente desbravadores do frigorífico talvez possam dizê-lo, após ter congelado alguns espécimes e tentado remover o vírus da desgraça de sua carne cancerígena e pestilenta. Parecia não haver mais carne fresca na cidade do Texugo, pensou, é a única explicação para a 'calma' que irrompera na cidade, ou a chuva simplesmente abafava qualquer manifestação diversa, fator pelo qual resolveu se manter recluso por tanto tempo.

Um comentário:

Não se acanhe, meu rei!
não há um membro do corpo produtivo que não goste de um comentariozinho nos seus posts...
;)